14.1.12

Auto-critica ao movimento de libertação animal



MERCADORIA E LEI
(CRÍTICA ÀS POSTURAS LEGALISTAS E CONSUMISTAS)

Debate de 17/03 na Casa da Lagartixa Preta – Santo André
O capitalismo tem o poder de absorver as lutas. O ingênuo movimento pela libertação animal pede mais produtos vegetarianos e mais controle do Estado para com os especistas.
Uma das maiores falhas que o movimento de libertação animal possui é a escassa relação deste movimento com outras causas igualmente anti-autoritárias. Ainda que no discurso se relaciona o especismo com o sexismo e/ou racismo, e ao falar de libertação animal se fala que esta inclui a libertação humana e da terra, na verdade é que na prática muitos veganos alegrariam-se se multinacionais como o Mc Donald’s incluísse em seu cardápio hambúrgueres de soja.
Tanto no discurso como na prática de muitos veganos se pode observar não só uma falta de crítica se não até uma esperança no atual sistema, acreditando que a abolição da escravidão animal se pode alcançar (leia: capitalismo verde), neste sistema de dominação. Paralelamente se consolida um mercado alternativo de perfumes, cosméticos, restaurantes, sapatos, presuntos e queijos de soja, bandas musicais, etc, 100% “livre de crueldade”.
Sendo uma testemunha da crescente cumplicidade entre o consumismo/sistema capitalista e o veganismo, Gilles Dauvé em sua “Carta sobre a Libertação Animal”, escreveu:
“Porque entre os jovens urbanos do ocidente, no princípio do século XXI, se repugna a visão de um homem vestido de caçador disparando em coelhos e patos?
A preocupação pela natureza, por questões ecológicas e as reações ao abuso de animais não são sintomas de que a humanidade enfim está se conscientizando de seu impacto sobre o resto do planeta, se não de que o capital precisa pensar globalmente, levando em conta o passado e o presente, desde os templos Maias até as baleias e os genes. Tudo o que o capital domina deve ser controlado e classificado para poder ser administrado. Tudo o que se pode comprar e vender deve ser protegido. O capital possui o mundo e não há proprietário que não seja mais apreensivo com suas posses.
No princípio do século XIX a burguesia explorou fortemente a vida e a força de trabalho de milhões de trabalhadores. Em parte, graças as ações desses mesmos trabalhadores, essa exploração se foi fazendo cada vez menos destrutiva e mais rentável. Mesmo assim, hoje em dia o capital não pode continuar esbanjando tranquilamente milhões de macacos ou árvores.
… (atualmente) não existe fome nem massacres como em 1900 ou 1945. A dieta entre os trabalhadores é hoje em dia mais rica e balanceada que na época de Marx; se tem tanto acesso a comida industrializada como a diversões ou viagens industrializadas. A expectativa de vida segue aumentando (e a mortalidade infantil diminuindo). O que hoje em dia é pior que em 1948, 1917 ou 1945, é que nunca antes tantos seres vivos foram convertidos em dinheiro, ou em processos que envolvem dinheiro. Nunca antes os seres humanos foram tão dependentes de algo que está por cima deles… até agora, tão incapazes e sem vontade de mudar a situação.
As condições humanas e animais estão piorando, mas só no sentido de que tudo está sendo capitalizado. Assim, os horrores mais invisíveis cometidos contra humanos e animais, estão somente aparentemente transformando-se em menos horríveis.
Que o capital mutila e humilha aos seres humanos, e mata a milhões de animais, é verdade. Mas aí onde o capital se desenvolve e chega a ser “puramente” capitalista, se distancia cada vez mais da tortura e da violência aberta. Igual a exploração animal, a discriminação sexual e racial formam parte do capitalismo. Com freqüência os supera e os substitui com formas melhor adaptadas. Manifestações de racismo informal ou institucional reaparecerão sempre em algum país capitalista, mas em nenhuma parte o racismo é imprescindível para o capital.
O capital toma a vida (em todas suas formas, desde o trabalho humano, árvores e vacas, até contos infantis e emoções), a produz e a desenvolve transformada. Nisso se diferencia de todos os sistemas de exploração anteriores. Nisso estabelece sua força. Diferente de um vampiro, o capital nos suga a energia, mas nos mantém vivos e nos faz crescer, produzir, comprar e cumprir um papel. A produção de valor e o consumismo funcionam porque somos seus agentes ativos e passivos.
O capital depende do abuso, do confinamento e da repressão, mas sua essência não é mais violenta que não violenta. Trata com dureza quando tem que fazê-lo, e com suavidade quando lhe é conveniente.
Em 1830 era necessário obrigar crianças de 5 anos a trabalhar doze horas diárias, mas como mostra a história, tais práticas não definem os interesses empresariais. Lutar por formas de exploração não violentas só contribui para desviar a opressão de um nível a outro. A fabricação de comida sintética está permitindo ao capital fazer realidade de uma maneira monstruosa o sonho da bioalimentação.
Não se pode parcializar, priorizar ou dividir as lutas, não podemos ser tão ingênuos para exigir (ou lutar por) nossos desejos de igualdade de forma ilhada. Uma sociedade sem especismo (ou sem racismo nem homofobia) não garante a reapropriação de nossas vidas nem a libertação de nada, se é que por liberdade entendemos a autoregulamentação de todas as formas de vida, isso é, naturalmente, sem dominação nem competição.
… Mas, por acaso não é porque os humanos pioraram depois de começarem a ser tratados como objetos, que os animais e plantas foram coisificados também? Se criticamos a indústria do automóvel não é porque ela está vinculada com o modelo dos matadouros. Se criticamos o capitalismo, é porque a produção de valor transforma tudo, seja a carne ou a poesia, em mercadoria. Deste ponto de vista, não tem sentido exigir que exista mais poesia (ou tofu) e menos hambúrgueres. Enquanto ambos produtos rendam benefícios, as fábricas seguirão fabricando.
Podem existir fábricas de qualquer coisa. É a sociedade da linha de produção que temos que entender e revolucionar, independentemente de que esteja manufaturando carne empacotada, pão ou televisores.”
Alguém também se expressou hommodolars.org
“… é muito comum ver na imensa maioria das organizações de direitos animais sua incapacidade de romper com a mísera realidade das relações capitalistas. Talvez não o queiram fazer. Talvez se sintam bem com seu modo de vida – os indivíduos – de trabalhar ou estudar, consumir, divertir-se e para sentir-se bem, ajudar os animais. Podem existir muitas razões, mas há algo inegável que seria bom alguma vez levarem em conta: o modo de exploração dos homens e mulheres e a conseqüente mercantilização da vida humana se transpassa igualmente aos animais, portanto não é uma conduta própria do ser humano mudar para uma conduta respeitosa e distante ao especismo, se não, que a erradicação desta realidade passa exclusivamente pela superação do CAPITALISMO ou qualquer tipo de sistema social e econômico que coloque os lucros, benefícios, poderes e luxos acima da liberdade individual. Isso é a destruição da Sociedade de classes.
(…) O problema dos animais não é que precisem ser tratados melhor.Não é que o cavalo apanha para puxar uma charrete. Não é que os animais sejam esterilizados ou não. Não é que exista uma legislação que tipifique como coisas. A pergunta que nos deveríamos fazer é que condição faz possível que tudo isso aconteça? A resposta é a mesma de sempre: a exploração do homem, mulher, criança, árvore, mar, animal.”
Devido, talvez, a frágil crítica que o movimento pela libertação animal faz das estruturas de dominação em seu conjunto, é comum ver animalistas exigindo leis, sanções e regulamentos ao mesmo aparato judicial que protege e reproduz a dominação. O texto intitulado “não se pode legislar a liberdade” do folheto “A Falsa Oposição da Libertação Animal” é muito claro a respeito:
“Alguns acreditam que se deveriam proporcionar direitos legais e proteção aos animais. Aplaudem as proibições de brigas de galo, porque se observa como uma ajuda aos animais e um acréscimo a suas vitórias. Mas criticam as leis que protegem os negócios que usam animais. Por um lado aceitam a lógica do Estado, uma vez que existem leis, e por outro, ignoram que o sistema legal regula a sociedade, fazendo-o eficiente, disciplinada e controlável. As leis validam o controle social ilegalizando os ingovernáveis e protegendo os poderosos.”
O Estado protege as indústrias de animais e outras empresas capitalistas; esta é a coluna vertebral e a força bruta do sistema capitalista. A lei criminaliza qualquer um que se oponha ao suave funcionamento do capitalismo. Os códigos legais mantêm as relações sociais de capitalistas; o conceito de propriedade e seus bens são santificados. Qualquer abaixo-assinado por leis intensifica o poder do sistema legal e sua mitologia de justiça legal e moral. Ter fé nas leis é ter fé na exploração capitalista, reforçada por policiais, burocratas, juízes e legisladores. Eles não têm nenhum interesse em mudar a ordem social, da qual obtém benefícios. Fazer uma lei que proíba a crueldade animal aqui, ou uma lei contra a presença de animais nos circos ali, supõe uma mudança insignificante, apesar de que alguns digam que são vitórias. As indústrias de produção continuam levando mais e mais animais aos matadouros. A miséria continua e o aparato legal assegura isso.
Se quisermos tirar os animais do degradante sistema de produção que estão submetidos, teremos que recusar qualquer suposto remédio oferecido pelos mecanismos eleitorais e legais do Estado.
Adendos:

*Etimologia
A palavra capitalismo vem do latim caput, uma referência às cabeças de gado que definiam um homem rico. E pecuária tem a mesma raiz de pecunia, latim para “dinheiro”.

Um comentário:

Lisa Simpsons disse...

E então o que devemos fazer ???